20/09/2010

Sucesso filme Nosso lar

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20 de setembro de 2010 | N° 16464

CAPA

Sucesso espírita

O interesse do cinema em explorar artisticamente o tema mostra como a doutrina se mantém forte no Brasil

Em apenas duas semanas em cartaz, o filme Nosso Lar, que é baseado em um livro de Chico Xavier e que acompanha a jornada de um médico após a morte, foi visto por mais de 2 milhões de espectadores – quando a maioria dos longas nacionais não alcança 100 mil. Antes disso, Bezerra de Menezes e Chico Xavier já haviam sido fenômenos semelhantes de bilheteria – chamando a atenção para a força da doutrina espírita, religião discreta mas de presença constante na sociedade brasileira.

Codificado em meados do século 19 pelo pensador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail sob o pseudônimo Allan Kardec, o espiritismo não demorou a chegar ao Brasil. A Federação Espírita Brasileira foi fundada já em 1884, em sintonia com a disseminação da doutrina pelo mundo (a American Society for Psychical Research, nos EUA, surgiu em 1885, e um Congresso Espírita Internacional ocorreu em Paris em 1889). O que torna o caso brasileiro peculiar é que, enquanto o espiritismo perdeu força no planeta, ele plantou raízes profundas no Brasil, país com o maior número de adeptos.

– O que há de novo nesse ressurgimento é o interesse do cinema em explorar artisticamente o espiritismo, porque no Brasil ele se mantém forte e constante – diz Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de O Mundo Invisível: Cosmologia, Sistema Ritual e Noção da Pessoa no Espiritismo (Jorge Zahar, 1993).

A explicação para tal circunstância passa por algumas hipóteses traçadas por um bom número de teses e estudos nas áreas de sociologia e antropologia. Em sua tese O Cuidado com os Mortos: Uma História da Condenação e Legitimação do Espiritismo (Arquivo Nacional, 1997), o pesquisador Emerson Giumbelli já estudava como o espiritismo se enraizou e se desenvolveu no Rio. E apontava que a doutrina, muito calcada no cientificismo em voga no panorama intelectual de fins do século 19, ocupou um espaço destinado à religião em um momento em que os campos tradicionais do saber se viam questionados.

O espiritismo nasce como uma religião científica (seus adeptos, na maioria, a consideram uma doutrina filosófica, não uma fé religiosa), e, nesse sentido, tem pontos de contato com o Positivismo, por exemplo. E, como uma religião que se vê como ciência, é uma crença com poucos dogmas, o que facilitou sua aceitação pela sociedade brasileira, naturalmente sincrética.

– O espiritismo é uma crença de camadas letradas e urbanas da população. E no Brasil teve o papel importante de, no campo religioso, fazer uma espécie de mediação entre o catolicismo e o amplo universo das religiões afrobrasileiras – analisa Maria Laura Cavalcanti.

Outro ponto que explica o sucesso da doutrina espírita no Brasil é Chico Xavier. Sua figura é imensamente popular e respeitada mesmo pelos fiéis de outras religiões.

– Chico Xavier representa um divisor de águas do espiritismo no Brasil. Ele atuou 75 anos como divulgador, com dedicação e coerência, e deixou um legado de 450 livros, além de seu exemplo pessoal, sua história de caridade e humildade – diz Antonio Cesar Perri de Carvalho, secretário-geral do Conselho Federativo da Federação Espírita Brasileira.

Pesquisadores como Sandra Jacqueline Stoll, autora de Espiritismo à Brasileira (Edusp/Orion, 2004) e Bernardo Lewgoy, autor de O Grande Mediador: Chico Xavier e a Cultura Brasileira (Edusc, 2004), apontam que Chico, embora não endossasse tal interpretação, tornou-se na imaginação popular um modelo de “homem santo” – figura comum no misticismo religioso nacional. Lewgoy, professor de pós-graduação em Antropologia Social da UFRGS, analisa:

– Chico passa por uma “santificação informal”. Sua biografia tem pontos que correspondem a uma “vida de santo”: origem humilde, criação católica, as mensagens que recebe da mãe incentivando-o a suportar as dificuldades de sua missão. E ele foi um gênio em atualizar o espiritismo para o país. O espiritismo na origem é racionalista, francês, impessoal, e com ele vira algo caloroso, familiar. Torna-se brasileiro.

CARLOS ANDRÉ MOREIRA E MARCELO PERRONE


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